06 outubro, 2006

Peças e colheitas

Essa vida é de cabeça-para-baixo, ninguém pode medir suas pêrdas e colheitas *

Mas, quando um dia normal termina como um bom papo com um grande amigo, algumas páginas de Sartre, uma música dos Stones e um cigarro na varanda de uma cidade que queria ser Paris, é possível se ver de um ângulo bem mais simples e confortável. Por mais que ainda faltem muitas peças para encaixar nesse tortuoso quebra-cabeça da vida, já é possível notar que daquilo que já está construído começa a nascer uma bela paisagem dos Alpes, ou então a ponta de uma magnífica Pirâmide. E, num sorriso de alívio, os erros se tornam uma sucessão de charmosos desafios e as vitórias borbulham num grande brinde com o melhor dos champagnes.

* João Guimarães Rosa, em Grande Sertão:Veredas

26 agosto, 2006

Sincronia

Eu gosto de sincronizar o disco com os cigarros. Gosto que o bife acabe junto com a bata-frita. Que a pipoca termine junto com o filme. Gosto que a cerveja dure o mesmo que a noite e seus intermináveis assuntos. Leio meus blogs preferidos até que termine a bateria do computador. Durmo enquanto você estiver em meus sonhos. Gosto de abraçar até o fim do calor de um reencontro. Gosto de sincronizar essa música com o seu beijo.

13 agosto, 2006

treze-de-agosto

Aquela era o seu primeiro aniversário no apartamento com vista para o Central Park. Era o fim da noite de um dia longo. Tinha falado com todos os amigos e parentes, recebidos votos de todos os tipos de felicidade, sempre respondendo com um simples “obrigado”.
Tomava a sua cerveja como fazia sempre desde que se mudara para Nova York. Pensava na vida no Brasil e em como tudo mudara desde o embarque naquele avião sem que ninguém soubesse com antecedência. Estava lá para, enfim, terminar de escrever o romance que ocupara sua existência nos últimos três anos. Mas, nada saia como previsto e era muito difícil pensar em ponto final quando tantas coisas novas aconteciam diante de si. A mudança com jeito de fuga e as surpresas daquela cidade louca lhe embaralhavam as idéias e o livro acabara ficando quase abandonado e cada vez mais distante de um final.
Por mais que era difícil e estranho passar aquela data longe de todos, não conseguia supor a hipótese de voltar. O antes não lhe parecia real. Até porque, era real demais para alguém que, agora, se alimentava do lúdico.
Eram sobre essas dores que divagava quando a campainha tocou. Quem poderia ser a essa hora, com quem ainda não tinha falado, quem, afinal, seria capaz de adivinhar a combinação de números para digitar a senha, entrar no prédio e estar a apenas alguns passos dali? Quem?
Quando a viu, diante dele, trazendo apenas aquele sorriso pelo qual se apaixonara um dia, um pensamento preencheu o fatídico aniversário. Datas “especiais”, às vezes, são apenas álibis para fazermos tudo aquilo que nos dá medo.

22 julho, 2006

Les Jardins du Luxembourg

Faz apenas três semanas que estive aqui pela última vez. Parece-me que foi ontem que sentei nesta mesma cadeira de ferro, mas sinto como se um século todo tivesse se passado. Naquele dia também fazia muito calor e muitas crianças brincavam na fonte d’água. Outras pessoas liam seus livros e seus jornais, mas tudo parece tão igual. E é. Menos pra mim que estive tão longe nesse tempo. Após anos pegando as mesmas linhas de metrô para ir trabalhar, começara uma vida diferente. Tinha que acordar mais cedo, é verdade, mas agora ia caminhando, passando todos os dias de manhã pela ponte, aonde tinha a chance de suspirar com a paisagem, essa sim incapaz de me cansar. Aquela moça morena estava de volta, apesar de que eu ainda estranhava ter de dividir com alguém o último cigarro da noite. Valia a pena, já que agora havia alguém com quem dividir o resto da noite. Os livros foram abandonados e as notícias de jornais estavam altamente desinteressantes. Eu não me preocupava, sabia que tudo isso iria passar, como passou. Muita coisa aconteceu, eu soube aproveitar esse momento, mas era natural que aos pouco tudo fosse se acomodando. Não nas antigas posições, que fique claro, mas, sim, na nova ordem de uma nova vida. Eram as surpresas que, com o tempo, se tornavam realidade.
Agora, sob o efeito da poeira baixa, eu recuperava a curiosidade sobre os destinos de Raskólnikov. Era isso que me trazia de volta a esses jardins. Mas, com o livro no colo e o sol refletindo nos óculos escuros, eu sabia que estava apenas tentando retomar o meu dia-a-dia. É isso que, afinal, faz com que eu me sinta vivo.

02 julho, 2006

Life Pursuit

Este cigarro ainda está quente do teu último trago. A porta não está toda fechada, mas aqui dentro ainda estão os medos e as angústias que te fizeram sair. Agora estás te jogando nos braços de um outro amor, mas as tuas lembranças estão guardadas em cada golpe de vista que eu dou nesse quarto. Aos poucos, outras histórias vão se somar às tuas, outros prazeres serão ouvidos por essas paredes. E o teu sabor vai escapar pela janela como a fumaça do cigarro que ainda tem o teu cheiro. Podes sair correndo, mas o que existe entre nós ainda vai queimar lentamente. Mas, eu bem sei, também vai se dissipar como o som dos seus sussurros. Será leve e dolorido, até o dia que eu já não mais saberei quem esteve aqui, e, muito tempo após essa tua fuga apressada, as paixões que um dia me confessaste me deixarão só. Talvez nos encontremos naquele café e você terá enfim aprendido a saborear um bom livro. Ou então, pode ser que sentemos no mesmo vagão do metrô e tu sejas apenas mais um rosto entre tantos. Eu já não posso saber dos teus passos se há muito não conheço teus caminhos. Meu deus, por onde andaste esse tempo todo? Parte agora que estás toda nua e deixa que eu termine esse último cigarro em que sentirei o gosto dos teus lábios. Sente-te livre para viveres o que desejares, pois nossas melhores lembranças não morrerão quando eu lavar o cinzeiro antes de sair para trabalhar.

27 junho, 2006

Advertência

Acordou dois minutos antes do despertador. Pulou da cama nervoso e afobado, pois sabia que não tinha mais cigarros. Antes mesmo de escovar os dentes ou tomar seu café da manhã, desceu desesperado os três lances de escada até o andar térreo. Foram mais dois quarteirões a passo apertado até enfim chegar de forma triunfal na padaria. Um Marlboro, por favor.
Então, já amansado pelo primeiro cigarro do dia, ele pode notar com certo espanto a singularidade que aquele maço possuía em relação a todos que já tinha visto. A lateral era, evidentemente, tomada pelo anúncio oficial. Mas este que fora sempre ignorado, agora lhe pretendia a respiração. O Ministério da Saúde adverte: a diferença entre o remédio e o veneno está na dose.

25 junho, 2006

O ouvido, os olhos e o coração

Eu fui lá e fiz tudo-o-que-deveria-ter-sido-feito. Mas, mesmo assim, não deu certo. O “resultado” não foi o “esperado”. Eu pensei, ponderei, e, mesmo assim, cheguei no “contrário”. E agora? Como será que devo seguir a diante? Fazer o que é melhor para mim ou seguir tudo isso que estão me sussurrando nos ouvidos?
Desculpem-me, senhores. Mas, o meu caminho sou eu quem traça, vocês gostando ou não. Afinal, não estou aqui para agradar, mas apenas quero escrever a minha história. E, agora não posso parar. Estão vendo todos esses caminhos na minha frente? Eu ainda preciso escolher um, e, mais difícil, tenho que traçá-lo. E vocês ainda querem me dizer o que é “certo” e o que é “errado” antes que eu mesmo possa chegar lá? Quanta pretensão têm vocês, não? Será que é tão difícil de entender que eu ainda não posso abraçar as respostas se não tive se quer tempo de formular as perguntas?
O meu caminho traço eu. E, por favor, deixem-me sofrer o desgosto das minhas derrotas. Não berrem sobre obstáculos se eu nem mesmo posso ouvi-los! As vitórias serão minhas. E, pasmem, as derrotas serão curtidas no silêncio das suas gritarias. Enquanto vocês estarão comemorando as suas alegrias, eu estarei vivendo dos meus erros.
Por mais que vocês acreditem no contrário, eu hei de ser os meus próprios tropeços. Dançarei sobre eles, levantarei meus braços pra dizer “esse sou eu”. Gostem os senhores ou não, é assim que será, até que eu ache que não deva mais ser. Essa metamorfose ambulante jamais fechará os olhos pra realidade, mas tampouco dará ouvidos a essa verdade pronta e engarrafada.
Eu chegarei lá, mesmo que tenha que trilhar o caminho da mentira. E ainda que seja necessário deixar restos de dor pelos cantos.
Aquietem-se aí fora. A minha verdade é construída aqui dentro.

04 junho, 2006

Lágrimas

“Pareceu ao médico que ouvia chorar, um som quase inaudível, como só pode ser o de umas lágrimas que vão deslizando lentamente até às comissuras da boca e aí se somem para recomeçar o ciclo eterno das inexplicáveis dores e alegrias humanas”. *

Não esperou nem o fim do parágrafo para fechar o livro. O que acabara de ler fez o mundo todo ficar em silêncio. De um instante para o outro, todas as suas concentrações se focaram em apenas um esforço. Lembrar-se da última vez em que fora capaz de chorar. Dores e alegrias jamais lhe faltaram, mas as lágrimas, essas sim, haviam secado. Milhares de situações foram desfilando pela mente, mas nenhuma delas tinha o tom da derrota ou a vibração da vitória. Todas guardavam apenas o amargo da indiferença. Um filme, uma dança, um bouquet de rosas, qualquer coisa que tivesse sido capaz de fazer um choro brotar. Nada. Ela vivia o mais absoluto vazio de emoções. Sentia que passava pela vida sem desfrutar do que ali houvesse, sempre protegida por um coração duro e gelado, entregue à poesia, mas alheio ao amor. Agarrou o livro com todas as suas forças e pediu ajuda para suportar o imenso aperto que a preenchia inteira. Foi nessa mesma hora que sentiu um sabor salgado na língua. Era uma lágrima, que, enfim, corria-lhe a face.

* José Saramago, em Ensaio sobre a cegueira

30 maio, 2006

respondendo e-mail ou o trem da vida

"É verdade que talvez a modernidade tenha tirado um pouco do romantismo dos nossos dias. O excesso de informação deixou o homem nu, cru diante do mundo. Mas eu não gosto de saudosismo e, como você mesmo disse, é chato viver comparando com épocas do passado. Mesmo porque, garanto que a nossa vida hoje é melhor do que na Idade Média e daí por diante. (Melhor não quer dizer mais fácil!). Mas quanto à questão dos objetivos... Pensando geometricamente, o objetivo de vida de uma pessoa não deve ser um ponto, e, sim, uma reta. Não devemos nos preocupar com "aonde vamos chegar", mas "que caminho vamos traçar". Para alguns, talvez, o importante seja juntar bastante dinheiro ao longo desse caminho. Outros só se preocupam com quantas mulheres vão comer. Existem até os que colecionam boas ações ao longo do trajeto... O que importa é que possamos estar sobre os trilhos adequados em cada fase da vida. Porque é bom que fique claro que não há um só caminho para toda a vida. Sim, nós podemos mudar de idéia, não é fantástcio? Agora, qual é o caminho certo?! A única certeza, é que somente a própria pessoa é capaz de saber. Verdade universal, caminho correto para todos, infelizmente não existe. Digo infelizmente, porque se houvesse, nesse momento, muito mais pessoas estariam bebendo cerveja e muito menos homens morreiram em guerras e atentados. É isso, meu caro. Estou de partida para Buenos Aires. Conversamos na volta. Abraços."

21 maio, 2006

Pra delírio da fiel...

Pobre nação corintiana, não tem vivido os melhores de seus dias. Os péssimos resultados da temporada e a trágica eliminação da Libertadores – o eterno sonho – fez inchar a cabeça de todo bom fiel torcedor.
Mas, a rodada desse final de semana do Campeonato Brasileiro deu motivos para o corintiano voltar a ensaiar um sorriso. Um jogo que parecia perdido e um time que não se achava em campo se desenhava como o retrato do confronto de domingo contra o Vasco no estádio de São Januário no Rio de Janeiro. E assim foi, enquanto o time da casa vencia fácil por dois gols de diferença e a zaga paulista era um carrossel de diversões para Edílson e cia. Foi, mas deixou de ser quando Carlos Alberto fez duas ótimas jogadas pela direita e Rafael Moura – substituto do adorado Carlitos Tevez – converteu ambas no empate corintiano.
Com duas expulsões para cada lado e a incrível reação corintiana, o jogo já estava suficientemente movimentado e qualquer uma das equipes poderia vencer. Mas, a diferença quem fez foi o corintiano Nilmar, que pouco produtivo ao longo da partida, decidiu tomar os últimos dez minutos para justificar aqueles que defenderam a inclusão de seu nome na lista de convocados do técnico da Seleção Brasileira, Carlos Alberto Parreira. Em duas jogadas maravilhosas, o atacante obrigou o goleiro vascaíno a derrubá-lo na área e cometer dois pênaltis quase consecutivos, sendo advertido na primeira vez e expulso na segunda. Carlos Alberto, e depois o capitão Marcelo Mattos fizeram para o Timão. Final, Corinthians 4, Vasco 2. O time pode não ter convencido pelo futebol, mas a torcido sofreu com gosto, ao seu modo tradicional. Graças a D’us.

17 maio, 2006

Medo

A cidade está em pânico lá fora. Não se sabe mais o que é matar ou morrer. Todos fogem desesperados para suas casas, ouvem-se buzinas, que soam como se fossem tiros. A televisão berra desesperadamente, as crianças choram. É uma guerra, não há dúvidas. E parece que vivemos agora a pior de todas as batalhas. Já não há mais como disfarçar o nosso medo de todo dia, que vive enrustido em carros blindados, sistemas de segurança e cinemas trancafiados em shopping centers.
Políticos de olhares sombrios e sobrancelhas fartas mentem. Dizem que tudo está bem da mesma forma cínica com que se defendem das violências que produzem vestidos de terno e gravata. E, pior, trocam acusações eleitoreiras, reiterando a já sabida indiferença para com o povo e voraz sede de poder.
Nós, aqui embaixo, pegamos nossos carros, encaramos o trânsito e fingimos que estamos seguros em nossas casas. Doce ilusão dos que se acostumaram a viver sob a dura realidade do crime que compensa.
Mas, no fundo, ainda se pode ouvir um abafado cantar de esperança. É quando o nosso horror permanente se torna ainda pior que mostramos o nosso último resquício de coragem: ainda não perdemos a vital capacidade de sentir medo.

14 maio, 2006

If you are feeling sinister

Chega. Hoje eu não vou atender mais ninguém, nem muito menos perder chamadas. Desliguei o celular. Preciso dessa liberdade. Odeio esses aperelhos. Alguém, em alguma parte do mundo, digita alguns números e então as ondas telefônicas saem em uma cruel caçada até você...
Eu não posso. Bata até suas mãos caírem, mas eu não vou abrir a porta, não vou atender o celular. Não me importa quem seja, nem muito menos o que quer. Eu desejo a liberdade de viver sem passado, de não ter memória, de não possuir qualquer vínculo. Eu quero pensar em mim, saborear as minhas experiências. Eu tenho que poder fazer tudo isso escondido do mundo, longe de qualquer interferência e a salvo de rajadas eletromagnéticas.
Eu só peço que me deixem sozinho, em paz com uma boa bebida, um cigarro e um disco tocando de fundo. É preciso muita concentração, mas eu preciso acreditar, nem que seja por um minuto, que eu posso viver tudo de uma forma diferente...

08 maio, 2006

É melhor viver do que ser feliz

...calma, pronto, já passou. Foi tudo um susto. Nada daquilo que você viu era de verdade. A ponte continua de pé, os cigarros ainda estão aqui. Muitas coisas mudaram, é verdade. Mas, tudo, com o tempo, se ajeita. Aos poucos a gente vai aprendendo a se adaptar. Além do mais, a garrafa vai estar sempre aqui e o copo pode se encher quando você quiser. É normal, neurônios também precisam ser sedados quando passam por intensas intervenções cirúrgicas. E você ta passando por uma delas, não tá? Então pra que se preocupar tanto? Garanto que você se levanta melhor depois de um tombo desses. E se não fosse isso, qual seria a graça? Correr, brincar, pular, cantar entre os lírios! Ora, convenhamos, isso é patético, nulo! Mesmo porque, esses caras todos que você lê e escuta, tiveram que tropeçar muito antes de criar essa “sensibilidade artística” de que você tanto gosta. Não tem milagre, meu filho! Quer ser profundo, então tem que ir lá embaixo! E não seja ingênuo de achar que a alma humana é essa coisa linda que as pessoas desfilam por aí. Vai, levanta e pega mais um whisky. Esse papo de ficar se consolando tá me deixando meio tonto...

05 maio, 2006

Um passo atrás

Naquela manhã, ela disse bem mais do que devia. Tudo começara em tom de brincadeira – como sempre - mas não era nem mais nem menos do que sentia. Seu coração estava naquelas palavras, mas sabia que ele só fora capaz de encontrar mais dúvidas e ressentimentos.

O resto do dia, claro, foi de reflexão. A trilha sonora, a mesma. Aquela cantora que só fazia sentido ouvir se estivesse com ele, fosse nos braços, fosse no pensamento. Mas não o disco antigo, carregado de recordações, e, sim, o novo, comprado dias antes. Mas afinal, o que fazia um sentimento tão verdadeiro só ser capaz de sobreviver à distancia? Juntos, eles se sufocaram, mas agora, há meses sem se ver, era a saudades que apertava. O mais fácil, talvez, seria chegar em casa e rabiscar sobre as mesmas infelicidades de sempre. O caderno entenderia, o lápis seria seu cúmplice. Mas as insistentes respostas fáceis e mentirosas já não mais surtiam efeito. De fato, ela perdera a pretensão de encontrar a verdade.

Distantes, eles não se preocupavam em acertar, muito menos se questionavam sobre o rumo das palavras. Apenas diziam e sentiam, agindo com a mente e o coração distraídos. Possuíam o único privilégio de quem olha para os tempos que já passaram, o de ver com muito mais brilho os momentos mágicos. Aqueles que se tornam inesquecíveis.

É claro. A repulsão não estava nos sentimentos de ambos. Encontrava-se na falta de sintonia entre o apego e a concentração. Para viverem juntos, era preciso deixar acontecer, soltar, distrair. Próximos, teimavam em ver cada detalhe do Monet, bem de perto. Saudosos, davam um passo atrás.

02 maio, 2006

Ben Gurion e Clóvis Rossi

Clovis Rossi já é assunto repetido nesse blog e não faltam razões para que assim continue a ser.

Mas, dessa vez, é cheio de vaidade que reproduzo o artigo do colunista do último sábado, dia 29/04/06.

Valeu, Rossi.


CLÓVIS ROSSI

O difícil e o impossível

SÃO PAULO - A propósito do texto publicado ontem neste espaço, sobre a necessidade de um grande sonho para fazer um grande país, o leitor Eduardo Gabor manda a seguinte frase de David Ben Gurion, o estadista judeu que foi o maior responsável pela criação do Estado de Israel: "O difícil a gente faz imediatamente. O impossível leva um pouco mais de tempo".

Compare, por favor, com a seguinte frase de Luiz Inácio Lula da Silva: "O governo tenta fazer o simples, porque o difícil é difícil" (discurso na 1ª Conferência Nacional do Esporte, em 17 de junho de 2004).

Agora compare os contextos: Ben Gurion soltou sua frase numa época em que os judeus haviam sido exterminados pelo Holocausto (ainda hoje, o Estado de Israel tem menos habitantes do que o número de mortos nos anos 40 do século passado).

Época também em que começavam a construir o Estado judeu, num território pequeno, não exatamente abençoado em recursos naturais e cercado de inimigos por todos os lados (ainda hoje, Israel está tecnicamente em guerra com dois de seus quatro vizinhos).

Nem precisaria dizer as vantagens teóricas do Brasil, mas não custa dar a palavra a outro leitor, Edwin Lima, salvadorenho que estudou no Brasil, vive em Amsterdã (Holanda) e está de passagem pelo país: "Não é possível que um país celeiro do mundo, maior fornecedor de commodities, com as maiores reservas naturais do planeta, com uma das maiores economias do mundo, se veja reduzido a apenas dois fatores: governo e gestão da dívida".

Faltou dizer que, nesta revisita ao país, Lima diz que "nada parece ter mudado, ou, se mudou, só não foi para melhor".

Faltou também dizer que a culpa não é só dos governos sucessivos, segundo o leitor Carlos Hugo Sgarbi. "O Brasil e os brasileiros são iguais ao alfaiate do interior: medem grande e cortam curto", escreve.

Se alguém descobrir um alfaiate tipo Ben Gurion por aí, avise a mim e aos leitores citados.


p.s: O post é publicado em homenagem à Independência de Israel, proclamada há exatos 58 anos por David Ben Gurion

24 abril, 2006

Yom Ha'Shoa - Dia de Memória do Holocausto

Existem momentos em que imagens dizem mais que palvras.

E a foto a cima, que mostra a tatuagem com o número de inscrição de uma prisioneira de um campo de concentração, representa todo o significado dessa data.

Ela traz a dor em si, guardada permanentemente na pele dos que testemunharam a industrialização da morte.

Mas, traz também a chama da lembrança, que jamais deverá ser apagada, impedindo o retorno do horror daqueles dias.

Am Israel Chai.
O povo de Israel vive.

E guardará para sempre as marcas de sua História.

Em homenagem às vítimas que perderam a vida nas mãos da Alemanha nazista.

23 abril, 2006

O corpo e a alma


Um texto de 27 de janeiro de 2006, fruto de uma viagem ao Peru.


"Escrevo a mais de 4.000 metros de altitude, em um acampamento no Caminho Inca, em plena Cordilheira peruana. Somente esta manhã, foram 5 horas de caminhada em subida e mais de 90 minutos de descida acentuada. O ar é notoriamente rarefeito e a chuva não dá trégua um momento sequer.

A dúvida então se torna natural. Para que escolher três dias de trilha se se pode chegar à mesma Macchu Piccu em um confortável trem? Pior, quanto maior a intensidade da chuva e a dureza da subida, mais forte se torna tal pergunta.

Mas, o fato é que a alma se renova com os percalços do corpo. E nós, ratos de cidade grande, vivemos uma ordem cruelmente diferente. Passamos a vida a nos desgastar fisicamente por conta das nossas preocupações, das mais consistentes às mais cotidianas. Não sabemos se o dinheiro vai dar, se vamos sofrer algum assalto ou violência pior, se o ônibus vai passar a tempo ou se o trânsito estará ao menos suportável. E, desse modo, terminamos um dia de trabalho – em que mal se levantou de uma cadeira – com a sensação de um atropelamento por caminhão.

No entanto, no momento em que um homem sedentário se propõe um desgastante desafio aventureiro, o peso da mochila sobre os ombros se torna tão intenso, que a alma ganha em leveza. A altitude não nos permite lembrar o poluído ar da metrópole e o barulho da chuva apaga da memória o vai-e-vem das grandes avenidas. Em suma, há tantas dores físicas a serem superadas que os problemas se tornam todos distantes. De cima dos Andes, é impossível enxergá-los. E, com a alma protegida de seus inimigos diários, temos uma melhor visão de quem somos, o que queremos e o que buscamos.

Depois de um dia de tão pesada caminhada, vêem-se as dúvidas existencias perderem sentido, enquanto brilha, com inacreditável força, a grandiosidade que ilumina a alma de cada um de nós."

19 abril, 2006

Terror

Tentou-se escrever, aqui, algo sobre o atentado terrorista que matou 9 pessoas em uma lanchonete de Tel Aviv na última segunda-feira.

Na verdade, foram 10 as vítimas. Mas, a 10ª foi o próprio assassino, um garoto palestino de 16 anos que optou por matar e morrer.

Também sofrerão eternamente as consequências desse crime aqueles que perderam mãos, pernas, olhos, a própria dignidade. Sem falar nos parentes das vítimas, como a mãe da foto que ilustra o post.

Tentou-se, mas não se conseguiu. Não há o que dizer sobre esses assasinatos em massa que já foram rotina em Israel, mas que chocam e emocionam como se fosse a primeira vez.

O local - onde se vende Shuarma e Falafel, pratos típicos da região - ganhará placas, flores e lágrimas, tudo em memória dos que morreram.

A vida seguirá nesse pequeno grande país, cheio de erros e acertos, glórias e lágrimas.

Sem jamais esperar pelo próximo suicida, por mais que eles sempre insistam em vir.



p.s.: Gabo, autor de um dos blogs que figuram aqui ao lado (23ª idade), foi brilhante ao escrever sobre o mesmo fato. Leia aqui.

17 abril, 2006

Marisa, Chico e iPod

Marisa Monte é símblo do que há de mais moderno na MPB. É concreta, é tribalista.

Chico Buarque é clássico. Mestre das canções de protesto e das vozes femininas. Maior ícone vivo da MPB.

iPod é a mais recente revolução na indústria fonográfica. Um aparelhinho do tamanho de um celular que permite armazenar até 15.000 músicas, além de fotos e vídeos, tudo em formato eletrônico. Será responsável pela aposentadoria do compact disc, o popular CD.

Marisa lançou, no mês passado os seus mais novos trabalhos. Trata-se dos discos Infinito Particular e Universo ao Meu Redor, ambos lançado pela gravadora EMI.

Chico apresentará, mês que vem, o seu primeiro disco de inéditas desde 1998. Carioca é também a sua estréia na Biscoito Fino.

Os dois discos recentes de Marisa possuem um sistema anti-parataria que não permitem que as músicas sejam passadas para um iPod. Ao menos não em um primeiro momento, já que qualquer leigo é capaz de driblar a tal proteção.

Por sua vez, a Biscoito Fino anunciou que o novo disco de Chico não trará qualquer impedimento em relação a iPod.

E aí, quem é "clássico" e quem é "moderno"?


p.s.: Para ter os discos de Marisa no iPod basta fazer um cópia, sendo que o próprio dispositivo permite que se faça até 3. Pronto. A cópia transita facilmente por iTunes, iPod, Media Player, etc.

16 abril, 2006

Admirável Novo Mundo

Mês passado, quando Lula esteve em Londres para um cerimoniosa visita de Estado, não faltaram jornais britânicos elogiando a atuação do presidente-companheiro.

Na última semana, mais um importante jornal europeu rendeu elogios ao presidente Lula.

Foi a vez do francês Le Monde exaltar o brasileiro em seu editorial de sexta-feira, 14/04/06. Comentando a guinada à esquerda que toma conta de toda a América Latina, o diário mostra Lula como um exemplo a ser seguido, diferentemente de seu colega venezuelano Hugo Chávez, que, segundo o jornal, vira as costas e desafia a Globalização. Lula, esse sim, comanda uma política responsável que visa inserir seu país na economia mundial, sempre segundo o Monde.

Nada sobre caseiro, mensalão ou a gangue dos 40 ladrões.

Nada sobre o já conhecido projeto petista de se perpetuar no poder.

Não é uma questão de julgar se o governo Lula é bom ou ruim. Mas o quanto isso é irrelevante para os europeus.

Em Paris, deve ser cult gostar de Lula. Os intelectuais de esquerda de lá devem adorar ver um ex-metalúrigico, cuja mãe nasceu analfabeta (!), desfilar por aí seu bom comportamento para com os mercados internacionais.

Mas, não teriam o mesmo comportamento se vissem um ministro de sua respeitável República ordenar que um banco estatal sob sua chefia quebre, stalinisticamente, o sigilo bancário de um cidadão que o acusa de cometer irregularidades.

Não demoraria nada até que todas as ruas do país estivessem tomadas de pessoas furiosas.

Mas, antes, cada uma trataria de ir correndo sacar todo o seu dinheiro depositado no tal banco estatal fradulento.

Parece que não é à toa que os latino-americanos têm preferidos líderes ultra-nacionalistas. Mesmo sendo contra a opinião dos companheiros europeus.

Clóvis Rossi

O título desse post é também o nome do principal colunista e repórter da Folha de S. Paulo.

Também o melhor de todos, na humilde opinião desse blog.

Em sua coluna diária, às vezes escreve textos bons, outras vezes textos ótimos e, em algumas ocasiões, textos sensacionais, capazes de dizer tudo em tão pouco.

Neste último domingo, Rossi ficou com a terceira opção.

Trouxe o poeta Drummond para tentar explicar - como se fosse possível - o triste jogo da política tupiniquim.

Assinantes da Folha e do UOL lêem aqui.


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ander_laine sugeriu. O blogue achou válido.

Afinal, é uma grande pretensão considerar que publicar o texto aqui nesse espaço é uma forma de pirataria.

E fica a dica para que os três leitores criem o hábito de ler esse gigante do jornalismo brasileiro.

Todos lêem aqui.

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CLÓVIS ROSSI

Clubinho Brasil

SÃO PAULO - Era uma vez Itamar Franco, que não amava Fernando Collor de Mello, mas a ele aliou-se para derrotarem juntos Luiz Inácio Lula da Silva, que odiava Fernando Collor e não amava Itamar Franco, até porque não amava ninguém a não ser ele próprio.

Era uma outra vez Itamar Franco, que passou a odiar Fernando Collor a ponto de romper com ele, mas sem reatar com Luiz Inácio Lula da Silva, que vingou-se de Fernando Collor juntando-se a tantos que antes desprezava para liderarem o processo de impeachment.

Era uma terceira vez Itamar Franco, que ungiu Fernando Henrique Cardoso ministro da Fazenda, fabricando sem o saber (ah, como os presidentes sabem pouco) o futuro presidente, que Lula odiaria.

Era uma quarta vez Itamar Franco, que aceitou ser embaixador de Fernando Henrique Cardoso, que ele às vezes amava, outras odiava e com o qual vivia entre tapas e beijos até algo parecido com o rompimento.

Era uma quinta vez Itamar Franco, aquele que silenciou quando Fernando Collor usou na TV o caso da filha de Lula fora do casamento, mas que acabou aliando-se a Lula, finalmente presidente, que o nomeou embaixador, tal como o fizera Fernando Henrique Cardoso, que, no entanto, legara a Lula uma "herança maldita", segundo José Dirceu, que também não ama ninguém, a não ser ele próprio e seu projeto de poder, que foi seriamente avariado, talvez destruído, por Roberto Jefferson, que era da tropa de choque de Fernando Collor, passou à tropa de choque de Lula e, por fim, detonou com um grito de "sai daí" o Zé desta história.

Era uma vez, por fim, o Zé desta história, agora chamado de chefe de quadrilha pelo procurador-geral da República, que vai de jatinho particular a Juiz de Fora para, segundo alguns colunistas, convidar Itamar Franco para ser vice de Lula, como fora de Collor, com o que se encontram o começo e o fim da quadrilha (no sentido Drummond).

(Folha de S. Paulo, 16/04/06)

13 abril, 2006

Uma festa

Pessach também é conhecida como a Páscoa Judaica. Mas, seria muito mais coerente chamar de Sete de Setembro Judaico.
Afinal, nesta data, comemora-se a independência do povo judeu, isto é, o dia em que deixaram o Egito - aonde tinham chegado quando eram apenas uma família - após séculos de escravidão.
Entretanto, a essência do chag (festa, em hebraico) vai bem mais além da história bíblica conhecida por todos, ou quase todos.
Diz-se, que nesse dia, cada judeu deve se sentir como se ele próprio tivesse saído do Egito. Cada um tem de sentir na pele ao menos parte daquilo que seus antepassados sentiram, desde os dias da escravidão, até a conquista da liberdade.
Desse modo, trazemos para o presente um fato histórico ocorrido há milênios. Ao transportar amostras dos sofrimentos e alegrias daqueles que o viveram, é possível também resgatar valores e lições.
Primeiramente, lembramos os ideias de liberdade. Nos nossos dias, vivendo em mundo aparentemente democrático, essas noções podem perder um pouco de sentido. Mas, é preciso lembrar que ainda hoje, em diversas partes do planeta, há pessoas discriminadas, presas e até assassinadas por sua origens ou convicções. E, se voltarmos segundos na História, encontraremos os Campos de Concentração e as fogueiras da Inquisição. Assim, a festa de Pessach nos ensina que em qualquer momento, lugar ou ocasião, há que se sentir a dor daqueles cujas mãos ainda estão amarradas e há que se recordar do júbilo da libertação, lutando eternamente pela conquista desse direito irrevogável.
Outra grande lição que aprendemos diz respeito à necessidade de se recordar a História daqueles que nos precederam. E nesse ponto os judeus são quase infalíveis. Alguns preferem chamar de mania de perseguição, mas o fato é que jamais uma atrocidade cometida ao longo do tempo contra esse povo foi esquecida. E, mais importante de tudo, é que essa imortal chama da lambrança não tem como objetivo cristalizar ódios, mas apenas evitar que novos crimes e matanças sejam cometidos. É evidente que muitos outros povos também foram perseguidos, talvez até de forma mais intensa. Mas, se ainda hoje os judeus estão vivos e atuantes para contar a sua História, é apenas porque foram capazes de lembrá-la ao longo dos séculos.
Enfim, esse é o sentimento que faz com todos os judeus do mundo, marroquinos, poloneses ou brasileiros se sintam tão próximos. Afinal, todos eles, independente dos costumes, da língua ou da cor dos olhos, guardam dentro de si a imensa dor da escravidão e a infindável alegria da liberdade.

Chag Sameach

11 abril, 2006

O dia em que Nietzche quis ser Homer

Naquele dia foi assim
O filósofo decidiu ser mais um
Quis até virar cartum
Saber era seu fim

Estava cansado da leitura
Aquela de olhos cansados
Pelos olhos afogados
E que na mente só causa mistura

Queria a felicidade fácil
Aquela que vem do nada
Seria ele a pessoa amada
E só por si seria ágil

Estava farto da inteligência
Rejeitaria o que aprendeu
Viveria do que não leu
Pela alegria, pedia clemência

Mas quando o dia terminou
A testa então se reaqueceu
A dor de cabeça retornou
O inferno outra vez se acendeu

Um comentário

Um amigo, desses que não se encontra em qualquer pessoa, teve isso a dizer sobre o post anterior. Vale a pena ler.

"A liberdade, não é verdade? Muito boa, muito bonita, muito almejada; quanto mais andamos mais perto estamos de atingí-la A úiltima risca de giz deve ser a liberdade total; e se ela não existir, quanto mais longe mais perto de algo que chamamos de liberdade. Não sei, por outro lado, se a última risca de giz existe, posso começar a andar, logo depois a correr, onde vou chegar? Posso ficar obcecado por algo que eu não consigo enxergar, por algo que eu não sei se existe. Posso ficar obsecado por algo que, alias, eu nem acredito que exista. Estarei, então, correndo para fora e desde o começo estarei dando as costas para o centro de todos os ciclos. Estarei correndo e, cada vez mais, distanciando-me do ponto que deixa-me mais perto de tudo; estarei correndo e estarei mais longe de poder olhar para todos os lados com o mesmo valor, com o mesmo peso, com a mesma intensidade. Estarei eu correndo para a liberdade e perdendo-a ao mesmo tempo? Quem sabe o centro não é a resposta, de lá pode-se ver muito, com a mesma intensidade para todos os lados. Será que corremos para fora para fugir do centro, para não vê-lo? O que tem o centro para nos mostrar? Será ele nossa terra, nosso lugar?? "

Valeu, Ron.

Um blog

"Um peru, segundo se diz, metido no centro de um círculo traçado a giz no chão, se julga irremediavelmente priosioneiro dele. Um dia, achei que devia correr para a liberdade, saltando o risco de giz. Cortei as amarras que me prendiam a todas as convenções sociais e a esse manso comodismo dos hábitos. Dei o salto... E agora, moendo e remoendo experiências recentes, comparando-as com as antigas, chego à conclusão de que a vida não passa de uma sucessão numerosa de círculos de giz concêntricos. A gente salta por cima de um apenas para verificar depois que está prisioneiro de outro e assim por diante. É a condição humana."
(Erico Verissimo, em Saga)
Livros, discos, amigos, baladas, risadas, viagens, experiências que se acumulam. É dessa mistura de cores que nasce o meu canto. É isso que me leva a continuar, a seguir essa tal condição humana, lutando sempre para ser capaz de dar o próximo salto.
Esse blog é a tentativa de processar toda essa informação, transformado em palvras o que se viu, o que se escuta.
E assim, passar por cima de mais um círculo de giz.
Até que venha o próximo.
E depois o próximo.
É a condição humana.